Epidemia da obesidade infantil recua mas aumentam crianças magras de mais
11 de Setembro de 2015

A epidemia da obesidade infantil parece estar a recuar em Portugal mas dados de 2013, divulgados ontem pelo Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge (INSA), sugerem uma nova realidade a ter em conta. Entre 2010 e 2013 a percentagem de crianças com baixo peso quase triplicou, tendo passado de 0,8% para 2,7%. Ana Isabel Rito, coordenadora do estudo, diz que é cedo para perceber se esta é uma tendência robusta, enquanto que no caso do recuo da obesidade infantil os dados atestam uma diminuição sustentada desde 2008, sendo que este é um problema muito mais prevalente. “Precisamos de esperar pelo próximo estudo em 2016 para ver se o aumento de baixo peso é algo que se mantém.” 

 

Em causa estão os resultados do estudo COSI (Childhood Obesity Surveillance Iniciative), um desafio lançado pelo Gabinete Regional Europeu da Organização Mundial de Saúde aos Estados-Membros. Consiste na avaliação – a cada três anos – da malnutrição infantil em crianças de seis, sete e oito anos, o que inclui baixo peso, excesso de peso e obesidade. 

 

Portugal participa no projecto deste a primeira fase de recolha de dados, que aconteceu no ano lectivo de 2007/2008. Houve um segundo estudo em 2010 e o mais recente, divulgado ontem, resulta de medições e inquéritos realizados em 2013. Neste último ciclo do COSI participaram 5935 crianças de 196 escolas do 1.o ciclo do ensino básico. No global, 31% das crianças nestas faixas etárias apresentavam excesso de peso, uma redução de mais de seis pontos percentuais na incidência apurada em 2008 (37,9%). Destas, 13,9% estão em situação de obesidade, percentagem que há sete anos era de 15,8%. Já a prevalência do baixo peso começou em 1% em 2008, regrediu para 0,8% em 2010 e em 2013 subiu para 2,7%.

 

Causas A investigadora admite que ambos os fenómenos podem estar ligados à situação socioeconómica do país, mas diz que é cedo para tirar conclusões. Na apresentação, os peritos do INSA mas também da Direcção-Geral da Saúde disseram acreditar que, no caso da redução da obesidade, a prevenção, nomeadamente nas escolas, estará a funcionar. 

 

“É um desmentido claro e firme da ideia de que não é possível prevenir doenças crónicas”, disse José Manuel Boavida, do Programa Nacional de Prevenção e Controlo da Diabetes, área em que ainda não foi possível inverter a tendência de aumento de casos. Pedro Graça, responsável pelo programa da Alimentação Saudável da DGS, fala de um fenómeno multifactorial mas considera positivo estar a desaparecer da sociedade portuguesa a ideia de que é bom uma criança ser rechonchuda, principalmente em bebé e na primeira infância, idades em que acontece a programação metabólica que vai condicionar o excesso de peso ou diabetes ao longo da vida – estima-se que 60% das crianças obesas o serão em adultos.

 

Ainda assim, nem o responsável nem Ana Isabel Rito quiseram admitir, sem haver provas mais robustas, de que alguns indícios de carências alimentares nas famílias associados à crise sejam a resposta para este panorama, quase como um efeito positivo da crise. Até porque a literatura científica sugere o contrário: que a pobreza está ligada a maior obesidade, dado produtos mais calóricos mas menos nutritivos serem por vezes mais baratos que vegetais ou frutas. Ana Isabel Rito adianta que no próximo ano vão analisar dados recolhidos desde os primeiros inquéritos em 2008 e que permitem cruzar a informação sobre malnutrição com condição socioeconómica das famílias e até hábitos alimentares e actividade física. “Foi uma opção fazê-lo só tendo três anos de estudo diferentes, para ter resultados significativos”, explicou ao i. 

Sobre a ligação entre pobreza e alimentação em Portugal existem por agora apenas os dados do inquérito anual sobre segurança alimentar que a DGS começou a fazer em 2011 junto de utentes dos cuidados primários. Em 2013, último ano com dados disponíveis, 27,3% das famílias admitiam ter alterado o consumo de algum alimento essencial por dificuldades financeiras. E 23,9% admitiam não ter dinheiro suficiente para comprar alimentos.

Assimetrias Enquanto se espera para ver se os ganhos na luta com a obesidade se dissolvem no pós-crise ou se há de facto uma vitória da prevenção e o aumento do baixo peso foi apenas um epifenómeno, os dados de 2013 permitem constatar assimetrias. 

 

Os Açores, que no estudo de 2008 apresentavam os piores indicadores, surgem em 2013 com os melhores resultados. E aqui parece haver uma relação directa com investimento. Na apresentação, os peritos lembraram que os municípios açorianos apostaram numa intervenção em que todas as escolas passaram a ter técnicos de nutrição, algo que não acontece no continente.

 

Já a surpresa no COSI 2013 é o facto de a região Centro apresentar os piores indicadores, com uma prevalência de obesidade de 38%. 

 

Não foram avançadas explicações, mas os investigadores mostraram-se disponíveis para partilhar dados mais detalhados com profissionais de saúde locais para compreenderem o porquê das crianças da região Centro serem as mais altas e mais pesadas do país. 

 

[Fonte - texto e imagem: Jornal I]